Fachada do Starbucks da Haddock Lobo, em São Paulo: vigas na fachada de vidro emolduram os clientes.
Observe a fotografia: uma bancada bem iluminada vista claramente através de uma ampla fachada de vidro com vigas que parecem emoldurar os consumidores. Na nova loja do Starbucks, na Haddock Lobo, esses elementos, somados ao wi-fi, prometem criar o ambiente ideal para os consumidores hi-tech que fazem questão de atualizar suas redes sociais e registrar nos smartphones sua ida ao descolado café. Para especialistas, o modelo reflete características do mundo virtual, como transparência e exposição da privacidade. Enquanto o público-alvo da marca comemora a novidade, alguns amantes dos cafés criticam a configuração da unidade. Segundo Renato Grego, gerente de Marketing da Starbucks Brasil, o estilo da loja inaugurada no início deste ano resulta de uma estratégia de marketing desenvolvida junto ao setor de design da empresa. “No piso térreo, os passantes na rua vão ver as pessoas lá dentro como em um retrato”, confirma. “Todo mundo consegue ver tudo o que está acontecendo lá dentro. Nosso objetivo com isso é gerar interesse e atratividade.” As redes sociais fazem parte da estratégia da marca para se aproximar dos consumidores, como o próprio CEO da empresa, Howard Schultz, revelou em conferência no ano passado. Grego lembra que as campanhas de lançamentos da marca são focadas no meio digital. “Dificilmente usamos meios tradicionais como TV, revista e jornal”, afirma. Segundo ele, o Instagram, aplicativo de fotografias para celulares, é o melhor caminho para estreitar o contato com os clientes. Entre as próximas ações, a empresa planeja lançar um concurso de fotos em que distribuirá canecas e cafés de brinde aos mais engajados. Vitrine Para Sérgio Lage, professor de comportamento do consumidor nas mídias sociais da ESPM, a estratégia do Starbucks é uma metáfora do que a sociedade experimenta no mundo virtual: sem fronteiras ou muros, ele é separado e revelado por telas transparentes, onde todos veem e querem ser vistos. “Cria-se uma conexão real entre as pessoas que estão fora e as que querem entrar naquele ambiente, que é climatizado, tem música, wi-fi... É a nova ideia de vitrine”, analisa. “A vitrine passa ideia de transparência, de visibilidade, de acesso imediato, conceito ligado ao online.” Além disso, o professor observa que a loja responde a uma carência de grandes metrópoles: a ausência de espaços seguros onde se possa socializar e observar. “Na cidade, é dificil ver o horizonte, essas lojas dão o horizonte. É meio artificial? É. Mas é melhor do que estar isolado no concreto.” Embrulhados para presente Para o público-alvo da marca, a estratégia é um sucesso. Mas a “experiência Starbucks” passa longe de ser unanimidade entre os amantes dos café, caso do arquiteto e professor de Cinema da USP, Rubens Machado Jr., de 61 anos. Morador da região da Haddock Lobo há mais de três décadas, ele se divide entre seu escritório residencial e cafés da região, e ficou chocado com a arquiteura do novo Starbucks que “se cola ao Fran's que estava ali há mais tempo”. As amplas vidraças exibem os consumidores como meros manequins “embrulhados para presente”, enquanto a “iluminação agressiva” do espaço cria reflexos que dificultam a leitura no netbook, reclama. Pesquisador do Cinema Paulista, Rubens nota que a configuração da loja tenta preencher as carências do espaço público deteriorado da cidade, onde “se pratica bem menos um bem viver das ruas”. “Pergunto o que significaria expormos em espetáculo aos apressados da rua o nosso momento de descanso, de prazer de uma prosa”, indaga. Sob a bênção da marca “Há pessoas que colocam o exibicionismo em primeiro lugar e, em segundo lugar, o encontro entre pessoas e o comer bem”, aponta o arquiteto Carlos Perrone, coordenador da pós-graduação em Design de Interiores da FAAP, que vê com estranheza lugares de convivência social abrigando a “frieza das redes sociais”. “Com o registro fotográfico banal nas redes sociais, isso ganha amplitude: você vai a um lugar para não estar no lugar, mas para estar em outra parte. O mais importante é estar sob a bênção daquela marca", resume. O profissional questiona ainda a validade do design da loja. “O design de interiores fica em segundo plano porque as configurações deixam de ser autorais e passam a ser de um estúdio de Cinema e TV destinados à fotografia.”
Segundo ele, o conceito “ver e ser visto” existe em restaurante e bares há muitos anos. “Mas esse conceito se refere a ver internamente, não externamente, como um produto à venda”, pondera. “Porém, num momento no qual a privacidade deixa de ser um valor, é natural que as pessoas se comportem com naturalidade nesses lugares”, analisa.
Espaços reservados O diretor de Marketing do Starbucks esclarece que a loja da Haddock oferece opções para os clientes menos afeitos à grande exposição das redes sociais e das vitrines. No local, há salas mais fechadas no primeiro andar, além da luz natural do terraço. “O cliente, após pegar alimento ou bebida, pode escolher entre ficar no piso térreo ou ir para os outros ambientes”, afirma. O objetivo da loja é ser o terceiro lugar do consumidor - o primeiro seria a casa e o segundo, o trabalho. “Por isso, é importante desenhar a loja com muito conforto para que o clinte se sinta em casa”, justifica. Apesar da atenção dada ao design e às redes sociais, o diretor garante que a prioridade da marca é personalizar cada uma das bebidas e levar ao cliente um café de qualidade. Grego esclarece também que cada loja tem uma fachada diferente, definida de acordo com o ponto em que está localizada. Devido ao sucesso entre os consumidores, o design da loja da Haddock tem servido de inspiração para a arquitetura de outras lojas, como a inaugurada na semana passada em Copacabana, e deve ter o modelo expandido para outras unidades.
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